sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Múltiplos Olhares


Todos os bichos de Nê Sant’Anna 
[setembro/outubro de 2016]


Insight: 1984 OUTRA VEZ!
Peço perdão pela ausência desta coluna em setembro. Aliás, em setembro eu fiz 50 anos.
Meio século! Pois é, “meninos eu vi” e participei do movimento pelas Diretas Já em 1984 (no meu primeiro ano na UEL); acompanhei a elaboração da Constituição Cidadã de 1988 e o Impeachment de Collor em 1992. Só não imaginava assistir mais esse capítulo da História do Brasil que se desenrola desde as manifestações de 2013 e ficou quase palpável nas eleições de 2014. Os que acompanham esta coluna certamente se recordarão da crônica “Como descascar um abacaxi”, escrita no dia do segundo turno das eleições presidenciais de 2014, na qual eu dizia que o país estava nu, com todos os problemas escancarados para quem quisesse ou tivesse sensibilidade para ver.
Infelizmente a crônica foi “profética”. Assistimos a um impeachment farsesco e canalha, no qual se perdeu a chance de drenar as feridas e debater as raízes da corrupção sistêmica, há séculos instaladas no poder, e de discutir o desenho do Estado brasileiro que a cada dia se afasta mais dos traços delineados pela Constituição de 1988.
Passadas as eleições municipais de outubro e com o apoio da grande mídia, 2/3 do povo brasileiro (trabalhadores, classe média e pobres) é “eleito” o culpado das contas públicas, do custo Brasil etc. (entre outros, com o falso argumento de que a Previdência está quebrada) e, mais uma vez, será “convidado” a pagar as contas.
O slogan da campanha cínica promovida pelo governo pós-impeachment “vamos tirar o Brasil do vermelho” é irônico – não pela analogia ao PT (que, aliás, pisou na bola), mas pelo ato falho: vamos tirar o pouco de direito social (garantido pela Constituição de 1988) do “sangue vermelho comum” que corre nas veias dos 2/3 dos brasileiros, historicamente excluídos pelo pretenso “sangue azul” que correria nas veias da politicagem mafiosa, presente na maioria dos partidos políticos. Ou seja, o slogan disfarça, mas não esconde a intenção do atual governo de subtrair direitos dos segmentos sociais de “sangue vermelho” e, de quebra, ainda “acalma” as “outras cores sanguíneas” – estas sim, sempre beneficiadas pelo Estado – sinalizando de que não serão chamadas a pagar nenhuma conta.
É hora do “sangue vermelho”, que construiu e constrói a riqueza dessa terra, dizer NÃO a reformas como a da previdência e de defender os princípios de justiça social e cidadania conquistados pela Constituição de 1988 por meio da democracia e do empenho de verdadeiros estadistas, como Ulisses Guimarães, que em 1985 quando Tancredo morreu “abriu mão” da presidência em prol da frágil democracia que brotava no Brasil pós-terríveis anos de Ditadura militar. Mas, renúncia é coisa de estadista, não de alpinistas do poder.
Reformas devem ser discutidas e referendadas através de plebiscitos, não impostas goela abaixo da população por uma maioria de políticos sem nenhuma representatividade e idoneidade junto ao povo, infelizmente panorama no qual hoje se encontra o Brasil.
Provavelmente, nem que eu viva mais meio século, verei um país plenamente justo, mas, enquanto estiver por aqui continuarei lutando com o mesmo ânimo de 1984, quando a minha geração panfletava: “Eu quero votar para presidente”!
De certa forma, esse “grito” em 2016 continua o mesmo, pois a maioria dos brasileiros clama por novas eleições para presidente e, independentemente de afinidades partidárias, grita “Fora Temer”. E, graças à luta de várias gerações, ainda podemos gritar e caminhar outra vez pelas ruas e praças, inspirados pela frase que disse lá atrás Ulisses Guimarães: “É caminhando que se abre o caminho”.
Até novembro. 

P.S.: Esta crônica é dedicada a Ulisses Guimarães que faria 100 anos e lutou pela Constituição cidadã alicerçada na liberdade, democracia, garantia de direitos, inclusão e justiça social. Em homenagem a essa luta deixo aqui dois links para vocês entenderem a farsa do déficit e o calote aos direitos sociais que a reforma da previdência significa.